Este post é uma homenagem ao meu pai e também um presente para a turma do meu filho , que acaba de cursar o 5o ano, onde estudaram instensamente a região da Amazônia.
Querido quinto ano, vou contar para vocês uma das maiores aventuras que tive na minha vida, quando eu era apenas um pouquinho mais velha do que vocês: tinha uns 12 anos de idade.
Mas antes disto, queria falar uma coisa sobre família e sobre quem nós nos tornamos durante a vida. Algumas características nossas nascem com a gente e são só nossas (somos sempre diferentes dos nossos irmãos, para os que tem irmão, e somos diferentes também dos nossos pais e mães em muita coisa). Mas outras características vem lá de trás, dos nossos pais, ou mesmo de nossos avós, sem que a gente mesmo perceba isto. São como sementinhas que eles deixam no ar, que acabam brotando e rebrotando, através de nós e de todas as pessoas que vivem na mesma família.
Acredito que a vontade de viajar, da nossa família Scalabrin, é uma destas coisas que vem vindo de várias gerações. A minha avó Almelinda, mãe do meu pai, viajou muito pouco durante a vida dela, embora fosse neta de imigrantes que vieram da Italia um dia. Talvez muitos de vocês tenham tataravós também que vieram de outros países para o Brasil, mesmo da Itália, em busca de uma vida melhor por aqui em tempos de guerra ou crise econômica. Mas a minha avó, bisavó do Felipe, Almelinda, morava numa cidade chamada Caxias do Sul, no interior do Rio Grande do Sul. Como eu disse, ela quase nunca viajava, talvez o lugar mais longe que ela tenha viajado durante a vida tenha sido para nos visitar, duas vezes, aqui no estado de SP. Ela tinha uma vida como da maioria das mulheres do seu tempo: cuidando da casa e dos filhos, que não eram poucos, 9 ao todo, dos quais meu pai (avô do Felipe) era o mais velho. Mas, ainda assim, era uma pessoa muito curiosa com o mundo. Ela gostava tanto de estudar e de entender sobre outros povos e culturas que imaginem só que um dia ela disse ao pai dela que queria ser freira, pois apenas as freiras podiam estudar por mais tempo na época dela. A maioria das mulheres estudavam apenas até o 9o ano de hoje. Porém, o pai dela a convenceu do contrário,a ser mãe de ter uma família. Ainda bem pára nós, vocês não acham? Senão, nem eu nem o Felipe existiríamos, já pensaram? Mas ela tinha tanta curiosidade com tudo, que passou esta sementinha para os filhos e , de alguma forma, também para os netos, mesmo para aqueles que ela nem pode conhecer. Assim, quando meu pai,como eu disse o mais velho, quis sair de casa para estudar Física em outra cidade e depois morar em cidades ainda mais longes de Caxias, ela sempre o incentivou. Então, meu pai viajou e estudou muito, até que um dia foi convidado para vir ser professor na Unicamp que na época, era uma Universidade que estava apenas começando. É por isto que o Felipe mora aqui hoje. Engraçado pensar nisto, não é? E se meu pai tivesse morado sempre em Caxias, será que vocês nunca teriam conhecido o Felipe, ou será que ele nem existiria?
Mas, por causa disto tudo, meu pai sempre gostou muito de viajar, conhecer outros lugares e outros jeitos de morar e de pensar. Não só ele, mas muitos dos irmãos dele e também dos filhos dos irmãos deles, meus primos , que receberam a mesma sementinha da minha avó (e imagino que de outras pessoas também). Então, chegamos à aventura que eu queria contar para vocês.
Aconteceu em 1982. Meu pai tinha um irmão que , como ele, também gostava de viajar e acabou indo morar na Amazônia a trabalho. Ele é geólogo e trabalhava, na época, com mineração e busca de quartzo. Meu pai, que tinha este jeito aventureiro, combinou com ele um dia de fazerem uma viagem de barco pelo rio Amazonas. Combinaram para umas férias de julho,quando um barco do meu tio iria viajar levando mantimentos para um acampamento. Eu tinha 12 anos, como já falei, e meu irmão tinha 8 anos (uma pouco menos do que a idade do Rafa hoje). Além de nós, meu pai convidou mais um grande amigo dele para ir com a gente , um cientista (físico também) americano, que morava em Boulder Colorado – EU (aquela cidade que nós tiramos fotos com a casinha do tempo na neve do blog do Felipe na nossa viagem do ano passado). Este amigo do meu pai tinha como grande sonho da vida dele conhecer a Amazônia, então ele não recusou o convite que o meu pai fez, aceitou na hora. Vocês devem saber que este é o sonho de muitos americanos e europeus, não? Conhecer a exuberância das nossas matas e dos nossos rios. Bem , então, tudo foi combinado para depois de uma reunião de Ciências (SBPC) que eles teriam naquele ano na cidade de Belém (PA). Ele nos encontrou vindo dos Estados Unidos. Além de nós 4, havia dois tripulantes no barco (um capitão e um outro ajudante).
Se vocês acharam que era um barco 5 estrelas, como estes navios que vemos hoje em dia por aí, não era não! E justamente por isto, foi uma aventura tão grande! Era um barco bem pequeno, cheio de sacos de comida no chão e nós dormíamos em rede. Tinha banheiro, mas não chuveiro , então os banhos sabe onde eram? No rio, de maiô e sunga, mas apenas quando o barco parava! Foram 5 dias de viagem e parávamos apenas algumas vezes para ir em restaurantes, o resto do tempo comíamos no barco, o ajudante era quem fazia a comida num pequeno fogareiro: arroz, feijão , farofa e acho que carne seca também, que eu não gostava. Quando parávamos, na beira do rio, os restaurantes não tinham carne, só peixe e eu não gostava de peixe, então o máximo que eu comi, além de arroz com feijão, durante os 5 dias, foi um ovo frito que fizeram para mim num destes restaurantes. Mas, como diz meu pai, eu resisti bravamente! Afinal, era uma aventura que eu nunca mais teria, não é mesmo? Outra coisa engraçada, é que quando barco parava, vinham várias baratas no chão. Eu subia correndo nas redes para elas não passarem perto de mim!
Mas toda aventura tem seus obstáculos, e a nossa não foi diferente. Não sei se vocês repararam, mas eu contei que tinham 4 pessoas no barco, além dos tripulantes ou seja: eu, meu pai, meu irmão e o amigo do meu pai. Se alguém prestou atenção, viu que ficou faltando uma pessoa, o meu tio, o responsável pelo roteiro e nosso guia. Mas vejam só, alguns dias antes da nossa viagem, talvez até mais de uma semana antes, descobrimos que o meu tio tinha sido internado no hospital, pois ele estava pela 8a vez com malária! Vocês sabem o que é malária? Uma doença comum naquela região, mas para a qual não tem vacina, como a vacina da febre amarela. Além disto, estava tendo muita malária numa das regiões pelas quais iríamos passar, uma região produtora da fruta do guaraná. Então, tivemos que ir sem meu tio, apenas visitamos ele no hospital quando passamos por Manaus, e mudamos um pouco o roteiro do barco para não passarmos pela região da doença.
Além disto, no dia de embarcar, quando chegamos no cais, descobrimos que o barco estava em concerto, pois estava com um vazamento!! É isto mesmo: estava entrando água no barco! O capitão disse ao meu pai que tudo seria resolvido em pouco tempo, ainda antes de anoitecer para sairmos naquele mesmo dia. Então ouvi meu pai dizendo:” Mas o Sr tem que me garantir que este barco não vai afundar, pois estou colocando meus dois filhos a bordo dele!”. O capitão disse para meu pai ficar tranquilo e o barco foi concertado antes do anoitecer, quando realmente saímos. Porém, vocês devem imaginar o medo que eu fiquei até ver que não tinha nenhum perigo de verdade e que ele não iria mesmo afundar!
Outra coisa engraçada aconteceu num dia de madrugada. O ajudante havia se esquecido de colocar combustível, ou coisa assim. Meu pai suspeitou que ele tenha pegado no sono depois de uma cervejinha. Mas enfim, o barco desligou de repente lá no meião do rio. Para complicar, tinha um barco bem grande que vinha vindo e estes barcos grandes fazem muita onda. Como nosso barco ligado, ele conseguia vencer as ondas mais facilmente, mas com ele desligado, ficava meio jogado ao balanço das ondas enormes. Ficamos com muito medo, achando que fosse virar. Mas os tripulantes acordaram, teve um certo alvoroço, e conseguiram fazer o barco ligar e sair do meio daquelas ondas, antes que alguma coisa mais grave acontecesse.
Também teve um dia em que o barco balançou muito no meio do rio. E também foi bem no meio da noite. Meu pai ficou várias horas acordado apenas segurando as nossas redes para que elas não balaçassem tanto, pois elas estavam tão agitadas que chegavam a bater nas paredes do barco! Esta parte eu sei porque o meu pai conta para a gente hoje, mas acho que o truque dele de segurar as redes funcionou, pois eu nem acordei naquela noite, nem meu irmão.
Fora isto, vimos muitas coisas legais pelo caminho. As casas das populações ribeirinhas, a linda vegetação perto das margens, aquele riozão enorme, cuja margem às vezes perdíamos de vista, de tão largo que ele é. E ainda por cima tivemos um companheiro de viagem por uma meia-hora: um bixo preguiça que encontramos. O capitão trouxe ele para o barco par anos mostrar, mas depois soltou-o para que ele voltasse para o seu habitat. É muito importante deixarmos a natureza o mais intacta possível quando passamos por estes lugares, certo?
Bem, espero que tenham gostado da nossa aventura. Agora vou contar o roteiro de cidades e rios por onde passamos.
Este foi o roteiro da nossa viagem de 5 dias:
1. Saímos de Manaus pelo rio Negro
2. O Rio Negro se encontra com o rio Solimões e forma então o rio Amazonas. Seguimos até Maués, onde paramos para almoçar ou dormir, nem me lembro mais…
3. Depois passamos pela cidade de Parintins.
4. A próxima cidade foi Santarém
5. E, por fim, pegamos o rio Tapajós em direção a Altamira.
6. De lá, voltamos para Belém num avião pequeno onde as pessoas levavam até galinha junto com elas.
Bem, então é isto. Esta é uma história sobre dois aventureiros, o avô do Felipe e o tio-avô. Eu e e meu irmão fomos carregados e acabamos contagiados também por esta semente que veio lá da nossa avó ( e de outros avós e antepassados também), tanto que o tio do Felipe (meu irmão) hoje mora bem longe de Campinas também e tem as suas próprias aventuras por lá. E vocês, por que não perguntam a seus pais sobre coisas especias de suas famílias, as sementes que vem de várias gerações? Pode ser mais de uma e podem ser coisas muito simples como uma receita de bolo ou biscoitos que vai passando de geração em geração. Ou uma tradição de festejar alguma festa específica do ano, ou mesmo uma religião ou time de futebol que todos acreditam na família. Estas coisas são muitos especiais, pois contam para gente de onde nós viemos e de quais são as marcas da nossa família. Conversem com seus pais sobre isto e um dia vão poder falar disto para as outras gerações também: seus netos ou bisnetos…!
E para terminar, vou contar um “causo”, uma pequena história , dentro desta outra história. Vocês acreditam em conicidências? Há alguns meses, quando fomos na casa do avô do Felipe e estávamos justamente relmebrando esta viagem, pegamos um atlas com mapas da região para tentar lembrar de todas as cidades por onde passamos. A TV estava ligada e estava passando um programa sobre a cidade de Londres na Inglaterra, uma cidade que fica completamente do outro lado do planeta, vocês sabem, não é? Meu pai disse para nós: preciso de uma lupa para ver os nomes destas cidades da Amazônia no Atlas, pois não estou enxergando direito! Então, a Maria Luiza, esposa do meu pai e avó dos meninos buscou uma lupa para ele. E vejam só, assim que ele pegou a lupa, a jornalista da TV, que estava mostrando alguns antiquários em Londres, disse que tinham algumas coisas muito interessantes lá, como uma lupa muito antiga de prata e mostrou a lupa para os expectadores. Então meu pai pegou a lupa e rimos com a coincidência da Lupa. Mas assim que ele olhou o mapa e se lembrou de Paritins, a 3a cidade por onde passamos, a jornalista disse que nestes mercado de antiquarios tinham muitos brasileiros trabalhando e que ia entrevistar um segurança que estava a trabalhando lá do antiquário em Londres naquele dia. Ela perguntou para ele de onde ele era e imagem qual foi a resposta? “Parintins” no Estado do Amazonas! Dá pra acreditar em uma coincidência destas? O mestre do filme “Kung fu Panda” diz que não acredita em coincidências e vocês? Ou melhor, e sua família? Pois este assunto pode ter vários pontos de vista, para pesssoas e famílias diferentes…
Bem, abraços a todos e pensem sobre a sminhas perguntas sobre as heranças (ou sementes) de seuas famílias.
Maria Elisa